Por Gustavo Burla
“Pai, transformei você num dragão.”
Às vezes isso acontece assim, do nada, sem nem um galho na mão para fingir que é varinha.
E lá vai o pai pegar o pequeno no colo e sair voando pela praça ou pelo jardim da escola. Como
convém às crianças, depois de pousada e do beijo dado no dragão para ele virar pai de novo, repete
o feitiço.
Começa assim, dentro de casa, antes que as crianças saibam falar “boca de cena”, “rubrica”
ou “Stanislavski”. A maior parte dos pais nem sabe o que é isso, mas usa o “se mágico” para fazer
de cada dia mais encantado que o anterior.
Alguns mantém a prole ligada às artes cênicas e conseguem colocar no palco a geração
seguinte, como Fernando Torres ou Márcio Sabones. Outros seguem na plateia, fundamental para que o teatro exista.
“Eu vi o palhaço com a Mônica”.
Essa frase ele repetiu durante um ano. O palhaço se apresentou no calçadão durante o
Nepopó de 2023 e a Mônica é a do Renato. Este ano passou pelo calçadão e não era o palhaço, viu a
peça da vez com alguma frustração, mas precisa entender que o teatro persevera nessas mudanças.
Os jogos da cena começam em casa, perduram na escola e chegam ao palco. A criança que
brinca disso tudo vive mais longe, no tempo e no espaço. Entrar nessa Caverna do Dragão é uma
magia sem volta.
Espero ouvir em breve meu cardiologista dizer:
“Seu coração está ótimo, que atividade física tem feito?”
“Teatro.”
Gustavo Burla
Professor, fazedor de teatro e de textos. Criador do Hupokhondría e leitor nas horas possíveis. Já esteve no Nepopó como jurado, diretor de espetáculo, plateia e consultor.