17º Festival Nepopó - DE 19 a 22 de junho de 2025

Marcus Martins | Semana Santa sem teatro em Nepopó

Na coluna deste mês, Marcus Martins compartilha memórias afetivas da tradicional encenação da Paixão de Cristo em São João Nepomuceno, conduzida há mais de 40 anos por Ney Morais. Em 2025, a Semana Santa será diferente, sem o espetáculo que marcou gerações. Um texto sobre fé, teatro e o que há de divino nas nossas emoções.
Foto: Marcus Martins

Semana Santa sem teatro em Nepopó

Por Marcus Martins

Desde que me entendo por gente, tem teatro pertinho da minha casa. É a encenação da Paixão de Cristo, realizada toda Sexta-feira Santa sobre um grande palco de madeira montado ao lado da Igreja Matriz, que fica no meu bairro, em São João Nepomuceno.

No espetáculo ao ar livre estão atores, músicos, produtores, locutores e pessoas que nunca subiram num palco, mas que participam — seja por devoção à crença ou à tradição. Regendo essa grande orquestra, com ou sem chuva, está há mais de 40 anos o diretor Ney Morais. Antes dele, a peça já era encenada, e sua origem se embaça na história.

Ano 2011 | Foto: Marcus Martins

Posso dizer que o convívio, todos os anos, com essa encenação foi minha primeira catequese. O teatro ilustrou para mim o que às vezes é tão difícil de entender nas letras complexas do Livro Sagrado. E Jesus era sempre um homem da comunidade que, dias depois de repartir o pão com os discípulos, a gente podia esbarrar numa padaria para comprar — adivinhem — pão (às vezes, menos de três dias após a crucificação).

Ano 2013 | Foto: Marcus Martins

Minha cabeça viajava nas cenas, no som do trovão gerado pela chapa de zinco e nas luzes piscantes que assinalavam o Cristo morto na cruz. E depois, eu ficava pensando como o corpo do Jesus ator tinha se transformado na estátua que seguia para a procissão do enterro.

O teatro me ensinou que o homem pode até brincar de ser Deus — e que Deus é grande quando se torna humano.

Corta para…

Muitos anos depois, eu com minha câmera fotográfica, assistindo e registrando a peça do lado de dentro do circuito. Ney, a essa altura já um amigo querido, havia me levado para o grupo e compartilhado comigo toda aquela magia que acontecia ali.

Ano 2018 | Foto: Marcus Martins

No meio da peça, a gente sempre olha para o céu na cena em que Maria chora o martírio do filho. A emoção dela se soma à nossa quando encontramos, em algum lugar no alto, a primeira lua cheia do outono — indicando que, neste ano, a chuva não vai vir. E o teatro continua firme, com senhoras sérias batendo seus guarda-chuvas nos soldados romanos quando eles passam no meio do povo com Jesus em sua via crucis.

Ano 2018 | Foto: Marcus Martins

Sinto que o teatro é a celebração do que existe de divino em nós. E sou grato ao Ney por todas essas experiências.

Ano 2012 | Foto: Fatos Net

Este ano, não vai ter encenação. Ney fez uma pausa para cuidar da saúde. Mas espero que, no ano que vem, a gente possa estar todos juntos novamente.

Fica a sensação de vazio — e as muitas lembranças. Tenho registradas em minha memória mais de dez anos de momentos de encenação. E de como é bom sentir aquelas cócegas que só o teatro sabe fazer na adrenalina.

Ano 2018 | Foto: Marcus Martins

Marcus Martins
Espectador de teatro, além de coordenador de comunicação e produtor executivo do Nepopó. Entre aquarelas, fotografias e escritas, encontra um intervalo para produzir o festival e jura de pé junto que não voltará a atuar.