Por Samara Danelon (Colunista convidada)
Tenho uma certa inveja dos artistas que fazem rir e uma empatia peculiar pelo olhar solitário
do palhaço.
Talvez por me ver tantas vezes no meio do caminho, entre a beleza e a tragédia, precisando
“fazer rir” (lê-se encantar) mesmo tratando de assuntos pesados (e velados) da nossa
sociedade.
No início deste ano estreei minha série de pinturas, O paradoxo do pássaro livre, onde
busco levantar conversas sobre a emancipação das mulheres, utilizando o pássaro como
alegoria.
As pinturas retratam mulheres reais convidadas e alguns quadros apresentam elementos
fortes como cadeados, gaiolas, mãos que seguram e mancham de vermelho os corpos das
mulheres.
Em minha última apresentação da exposição e primeira em um espaço público ao ar livre,
um episódio chamou minha atenção. Um menino, de talvez uns 5 anos, bateu as duas mãos
abertas nos seios da mulher retratada de um dos quadros.
Minha intenção aqui não é recriminar a atitude de uma criança, mas questionar o quão o
corpo de uma mulher está suscetível à ser agredido e sexualizado, até mesmo numa
representação. O que me lembra de uma matéria que li há um tempo atrás, sobre as
esculturas em museus que tiveram os seios escurecidos pela oxidação das mãos dos
visitantes.
Este mês temos o agosto lilás, uma campanha dedicada à conscientização e combate à
violência contra a mulher, mês em que a Lei Maria da Penha foi sancionada, e ainda temos
um longo caminho pela frente na busca pela equidade de gênero.
Não é sobre não agredir uma mulher, mas sobre não se sentir no direito de agredi-la.
Samara Danelon
Artista visual, coordenadora criativa e estudiosa da repressão feminina. Romantiza a vida com cafés em dias nublados. Já se emocionou no Nepopó como jurada e plateia.
Conheça mais o meu trabalho em @samaradanelon.arte e www.samaradanelon.com