Por Gustavo Burla*
Pouco tempo, muito pouco, menos ainda porque teve uma pandemia no meio. No dia 17 de
junho de 2017 conheci Geraldo Lafayette. Talvez tivéssemos nos esbarrado antes pelo festival e
trocado figurinhas de teatro, mas naquela noite o Perfume de rosas me envolveu como poucos
espetáculos até hoje.
Aquela noite de Nepopó me levou ao Face e a tantos abraços e críticas que não cabem num
texto corrido. Nem há texto corrido que sustente o impacto da notícia na manhã fria de que o
Geraldo morreu. Morreu pra frente, morreu pros outros que não conheceram e conversaram com
ele.
O teatro tem umas raivas e o Geraldo trazia bem delas. Sabia pra caramba de política
cultural e numa entrevista que demos pra rádio lá no Nepopó tinha hora em que eu esquecia de
pensar no que falar pra refletir sobre o que ele dizia.
O Geraldo também dava raiva quando falava isso ou aquilo de uma peça de alguém, dava
raiva sobretudo no alguém que não ouvia o que ele dizia porque não queria ouvir. Quando disse que
um grupo estava em todos os festivais do circuito e só apresentava, mas não via nada. Depois o
grupo fez o festival dele e foi uma vergonha. Geraldo ecoava o Stanislavski dizendo “ame o teatro
em você e não você no teatro”.
Embora ele às vezes estivesse em cena no lugar que não era pra estar, mas o que fazer
quando alguém da cena não podia ir? Ele se preocupava com o público, que merecia ver o
espetáculo, e subia no palco, mesmo tendo tantas outras funções fora dele pra suprir.
Geraldo poderia dar raiva quando dizia que “os espetáculos do Burla são assim e não
funcionam desse jeito”, e estava certo. Era o Geraldo diretor fazendo a crítica e o Geraldo professor
abrindo o olho de quem tinha menos estrada.
Geraldo dava raiva em muita gente quando ganhava prêmios e prêmios, organizava (com a
equipe) um festival grande pra caramba e recebia os convidados de bermuda, chinelo e camiseta
orientando o refeitório: poxa, teatro é isso, estar em todos os campos, em todas as funções, falando
e ouvindo. Aprendi esse teatro do Geraldo com José Luiz Ribeiro, comendo pão com salpicão
sentado na escada nos rápidos intervalos de produção.
Geraldo deu muita raiva no último Nepopó, porque passei por ele na rua durante uma peça e
deixei para conversarmos depois, mas tive que ir embora e ele, fazendo mais raiva ainda, não
deixou ter depois.
Geraldo fez raiva hoje e daqui por diante.
* Gustavo Burla
Professor, fazedor de teatro e de textos. Criador do Hupokhondría e leitor nas horas possíveis. Já esteve no Nepopó como jurado, diretor de espetáculo, plateia e consultor.